sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Quites ( Da série "Poesia numa hora destas ?!")

“Reconheço”, disse o homem, “fui um poluidor Implacável.
Matei todo tipo de bicho, criei todo tipo de lixo,
 transformei bom oxigênio em ar irrespirável.”
E suspirou, contrito, envenenando mais um litro.
“Nem sei quanto spray usei, mas aposto meu
patrimônio: há um buraco com meu nome na tal
camada de ozônio.”
“Florestas foram arrasadas para me dar calor e notícia.
Sem falar nos troncos de lei em que canivetei
que amava uma tal de Letícia.”
“Fui um flagelo sem dó, uma horda de hunos de um só.”
“Transformei rios em cloacas e cloacas em
rios de sujeira, em transbordante nojeira.
`Abaixo o ecossitema´ foi, eu quase diria, meu lema.”
“Fui um Átila irreciclável, um biodesagradável.”
“Agredi a natureza. Destruí a sua beleza.”
“Mas, em compensação, em matéria de devastação,
de agressão e desatino...
” (mostrando suas próprias rugas, sua calvície, sua velhice):
“... vejam o que Ela fez com este menino.”


                                         VERISSIMO, L. F. Jornal Zero Hora, 26/08/1990.